8 de março: Dia Internacional da Mulher

Carta a Tita

Uberaba, 8 de março de 2024.

Vó Tita,

Oi… quer dizer, “bença”! Lembro-me de quando a senhora danava comigo por não tomar a benção, mas era coisa de menina da cidade, nada intencional, até porque minha mãe, sua filha mais nova, não nos cobrava isso. Bom, vó, hoje, dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, resolvi escrever esta carta, porque, depois de 47 anos, entendi o que é ser mulher neste mundo e entendi o que a senhora e todas as minhas antepassadas viveram. Dia 8 de março, aprendi, é dia de luta, não de comemoração.

Vó, sempre achei a senhora brava demais, “esquentada”, chata, prática demais, uma onça mesmo. Costumava dizer que seu marido, meu vô Pedro, ele sim era legal, estava sempre sorrindo, até dei o nome dele para meu filho. Porém, hoje, sei o porquê de seu comportamento: exaustão, carga mental, termos que, em 2024, usamos para ilustrar a cansativa rotina das mulheres. Na sua época, achavam que cuidar da casa e dos filhos, no seu caso oito, era menos estressante e desgastante que trabalhar fora. Mas não era, não é, vó? Aliás, não é, nunca foi. No seu caso, além do cuidado dos filhos, do marido, da alimentação, a senhora tinha a lida da roça: tratar dos porcos e das galinhas, apartar e ordenhar as vacas, separar o leite, fazer o queijo, cuidar da horta, ufa, isso antes de o sol ficar alto. Ou seja, a senhora não parava, porque, se parasse, a casa não funcionava. Eu, que não vivia perto, aqui em Minas, via isso somente nas férias, num recorte em que os filhos já eram adultos, cada um na sua casa, com suas famílias, ou seja, num momento “mais tranquilo”.

Meu objetivo hoje, neste dia de luta, vó, é pedir desculpa pela falta de sororidade. Somente consegui entender seu contexto nos últimos anos, quando, depois de muito estudar e observar e querer enxergar a realidade das mulheres (e de sentir na pele também), percebi como ser mulher é duro. Não sei se a senhora teve essa epifania, mas tenho certeza de que sentia na pele o cansaço doído e culpado de achar que, na maioria dos dias, não foi a mãe ideal, a esposa ideal, a dona de casa ideal. Provavelmente teve vontade de sair correndo, de ir para o meio do mato descansar, talvez tenha chorado de exaustão. No entanto, mesmo que tenha um dia pensado isso, não tinha a quem dizer e talvez se culpasse por esses pensamentos, porque “como assim se estressar com algo tão sublime como o ser mãe e esposa”.

Vó, de novo, desculpa pela falta de sororidade. Eu, que ensino as pessoas a melhorarem a escrita, nunca lerei algo escrito pela senhora, seja uma receita, uma carta de amor abandonada no fundo de uma gaveta, seja a anotação numa caixa de remédio, porque a senhora não aprendeu a ler. Não consigo imaginar o mundo de alguém que depende do outro para isso…

Vó, desculpa pela falta de sororidade. Imagino a senhora e sua mãe, suas avós, suas tias, passando pelo climatério, tendo de lidar com os efeitos da menopausa, sem mesmo saber o que aquilo significava de verdade…

Enfim, vó, neste dia 8 de março, resolvi homenagear a senhora colocando sua história de mulher em palavras, quer dizer, em pouquíssimas palavras, as que eu consegui ler do seu livro de opressão e de apagamento. Aproveito para agradecer ao que tenho da senhora em mim: a habilidade com a cozinha e com trabalhos manuais, a boa genética dos músculos fortes e robustos, a resiliência, uma certa braveza, a boca suja (rs), os cabelos brancos… Espero que seus 102 anos tenham tido alegrias apesar das durezas e que nossas descendentes precisem menos da luta do que nós, especialmente a senhora.

Com amor,
Sua neta,
Cíntia.

[Texto escrito pela Prof.ª Cíntia Cristina Afonso Maia – Redação do Ensino Médio/Área de Linguagens e Pastoral Escolar.]

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