Praticamente todos os anos, os vestibulandos encontram em suas provas ao menos uma questão que, a partir de uma tirinha em quadrinhos, de um poema ou de um trecho de um texto, aborda um tema que vem provocando polêmica há um mês: as variantes linguísticas.
Em maio, um livro de língua portuguesa adotado pelo Ministério da Educação (MEC) causou polêmica por defender o uso da linguagem coloquial (leia mais nesta página) e suscitou um debate em torno do chamado preconceito linguístico. A Ação Educativa, organização que é a responsável pedagógica pela obra, fez um levantamento que mostra que os maiores vestibulares do País vêm cobrando esse tema em questões nos últimos dez anos.
Os exercícios abordam as diferenças linguísticas de diversas formas: pedindo para o candidato verificar onde está aplicada a linguagem coloquial; identificar marcas de coloquialidade nos textos; responder o nome correto da variedade linguística usada em determinada expressão e transformar um trecho de linguagem oral na norma culta.
“O aluno precisa conhecer a linguagem popular para saber o quão distante ele está da norma culta”, diz coordenadora-geral da Ação Educativa, Vera Masagão Ribeiro. “As variedades linguísticas já são um tema consolidado, que é cobrado nos exames.”
Os coordenadores de três dos maiores vestibulares do País concordam que o conteúdo deve ser cobrado, mas sempre tendo em vista a avaliação do aprendizado que o candidato tem em relação à norma culta. “As variantes linguísticas constam no programa do nosso vestibular”, afirma Maria Thereza Fraga Rocco, da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), responsável pelo exame da Universidade de São Paulo (USP). “E não só no nosso: praticamente todos eles cobram.”
Renato Pedrosa, coordenador da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest), destaca que a universidade está sempre em busca dos melhores candidatos, o que inclui expressar-se corretamente na escrita. “A Unicamp espera que o aluno tenha esse domínio, aprendido na escola”, explica.
Para os coordenadores, a cobrança é um reflexo daquilo que é ensinado em sala de aula. “O vestibular presume que o aluno saiba distinguir os diferentes tipos de linguagem” diz Rogério Chociay, assessor da diretoria acadêmica da Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista (Vunesp).
Preparo. Para os cursinhos e colégios, o ensino da norma culta é indispensável e é encarado como uma das principais missões da escola. Mas os professores encaram as variantes linguísticas como um tema que passa por um viés cultural, demonstrando as diferenças de costumes entre pontos distantes do País, como os regionalismos dos sotaques e vocabulários.
“Penso que o assunto deva ser tratado pelos professores sem obscurantismo, elitista ou populista, nem moralismo, de uma perspectiva linguística e com sensibilidade para diferenças sociais e culturais”, diz Francisco Achcar, professor aposentado da Unicamp e coordenador de língua portuguesa do Objetivo.
Francisco Platão Savioli, professor da USP e supervisor de língua portuguesa do Anglo, destaca que os estudantes chegam à escola dominando uma linguagem – como a utilizada entre os jovens nas redes sociais, por exemplo – que se afasta em menor ou maior grau da norma culta. “Na escola, o aluno vai saber em que situação ela (a norma culta) vai ser necessária, aprendendo a avaliar a adequação de uma linguagem”, explica.
“Jogar fora as variantes é jogar fora a riqueza da língua. Ensiná-las não tem nada a ver com ensinar errado.”
Debate. Algumas escolas discutiram o livro do MEC em sala de aula. No colégio Santa Amália, em São Paulo, os alunos tiveram uma proposta de redação baseada em diversos textos publicados nas últimas semanas – tanto os que apoiavam quanto os que acusavam a obra.
No Augusto Laranja, na zona sul paulistana, os estudantes se debruçaram sobre os artigos que saíram em diversos veículos de comunicação – a escola já costuma tratar o assunto a partir dos diversos gêneros textuais. “Para trabalhar o conceito de adequação de linguagem utilizamos os mais diversos tipos de padrão de texto”, diz a professora Rosane de Luiz Cesari.
Rute Possebom, que leciona língua portuguesa no Santa Amália, reforça que os alunos precisam entender que é o domínio da norma culta que vai aprová-los no vestibular. “E também ajudá-los a conquistar uma vaga no mercado de trabalho”, afirma.
PARA LEMBRAR
Livro iniciou polêmica
O livro Por uma Vida Melhor, da Coleção Viver, Aprender, foi distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) a 484.195 alunos de 4.236 escolas.
O conteúdo sugere que o uso da língua popular – ainda que com erros gramaticais – é válido. Expressões como “Nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe” aparecem como exemplos. Os autores lembram que, caso deixem a norma culta, os alunos podem sofrer “preconceito linguístico”.
Em nota enviada na época, a autora Heloisa Ramos disse que “o importante é chamar a atenção para o fato de que a ideia de correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa”.
Fonte: O Estado de S.Paulo – Por Mariana Mandelli