“De vez em quando não quero trocar meus brinquedos velhos. Teve um dia que eu já
tinha doado todos os que eu queria, não achava o que tirar e acabei tendo que
doar minha maquiagem”. Beatriz tem 8 anos e na casa dela a regra é: para cada
brinquedo novo que entra, um tem que sair. A garotinha lida com tranquilidade
com isso e a mãe, a relações públicas Juliana Dias, conta que desde pequena já
fazia questão de transmitir à filha os conceitos de utilidade, excesso, caro e
barato. Foi no aniversário de 1 ano da menina que a mãe percebeu a quantidade de
objetos – entre roupas, acessórios e brinquedos – que a filha nunca usara ou
usaria. “Eu fiquei muito assustada, sou uma assalariada e à medida que ela foi
crescendo deixei claro que só compramos o que for útil. Temos que ir adaptando
nossos argumentos junto com o crescimento deles. Hoje a Bia sabe que ela tem um
limite para guardar os brinquedos. Começa a não caber no armário, separamos o
que não ela não usa e doamos”, relata.
Mesmo assim, Beatriz fala como se toda a casa dela estivesse ocupada de
brinquedos e livros. “Eu tenho mais ou menos uma livraria aqui em casa”,
orgulha-se. Entusiasmada, diz que suas histórias preferidas são as de terror.
“Você conhece ‘João, Maria e a bruxa?’ É muito legal”, recomenda ao afirmar que
esse é seu livro preferido. A menina também enfatiza que tem muitas bonecas.
Alice, que ela descreve como “branquinha, pequena, de cabelo pretinho, batom
vermelho e que adora vestido roxo” é a sua favorita. “Mas você não enjoa de seus
brinquedos?”, provoco a garotinha que me esclarece prontamente a questão:“Alice
é minha filhinha, quando eu canso de brincar com ela, finjo que levei ela pra
escola e brinco com outra coisa”.
A proximidade do Dia das Crianças – e o
excesso de estímulos de compra que acompanha a data – convida auma reflexão
sobre o consumismo na infância: e se neste ano a comemoração for diferente? E se
ao invés de comprar um brinquedo novo, levar o filho ou filha à uma feira de
trocas? Ou trocar o presente por um passeio divertido? Quem sabe, até, pais,
mães e filhos não podem construir juntos o novo brinquedo da
criança?
Depoimentos de especialistas, pais, mães e lideranças de
movimentos que lutam pela regulação da publicidade infantil no Brasil mostram
que apesar de ser uma tarefa difícil, muita gente está tentando fazer diferente.
Qualquer objeto é brinquedo
Doutora em educação e professora
do programa de pós-graduação em Educação da PUC Minas, Magali dos Reis explica
que a competição pelo brinquedo “mais legal” ou “mais caro” é uma característica
ocidental e urbana. “Crianças que têm acesso a bens de consumo começam a ter
esse desejo despertado entre 4 e 5 anos. Nessa fase, elas já conseguem
diferenciar aqueles que são mais chamativos dos mais simples. A partir dos 6, já
percebem quais brinquedos são mais tecnológicos e avançados que outros”,
explica. Segundo a especialista, como as crianças se imitam muito e buscam
referências entre seus pares, a vontade de ter o brinquedo igual a de um colega
de escola, por exemplo, é inevitável. “Por volta dos 6 anos, elas vão se
organizando em grupos que compartilham um gosto por um brinquedo específico.
Criam-se uns clubinhos de meninas que colecionam barbies ou de garotos que
gostam do Ben 10”, exemplifica.
Entre os mais pequenos, entre 2 e 4
anos, a principal característica é o desinteresse rápido pelos objetos. “Eles
abandonam, mas retornam a ele”, afirma a educadora. O que independe da idade é a
capacidade de a criança transformar qualquer objeto em brinquedo. Outra
realidade é a habilidade de meninos e meninas em transformar a função e o
sentido do brinquedo. “Isso nada tem a ver com a qualidade ou preço”, resume.
Fonte: Saúde Plena