ENTREVISTA com Lusa Almeida Soares Andrade

6 de maio de 2014 - 12:46:00. Última atualização: 23 de julho de 2019 - 11:02:30
Foto: Internet
Aos 86 anos, Lusa Almeida Soares Andrade é
uma artesã que dedicou toda a vida à arte com cerâmica e barro, mas que não
permaneceu presa no tempo e hoje aproveita cada benefício que as novas
tecnologias oferecem. E ela tem mesmo muita história para contar. Por isso, na
entrevista deste domingo, o Jornal da Manhã traz um pouco sobre a vida dessa
mulher que não se entregou às convenções da época e que, muito independente,
viajou o país divulgando o artesanato uberabense.
Fundadora da Associação Brasileira de
Cerâmica Artística e da Associação de Artesãos e Artistas de Uberaba, Lusa
Andrade foi uma das principais responsáveis por difundir Uberaba como sede do
conhecimento sobre as mais variadas técnicas ligadas à arte do trabalho com
cerâmica e barro pelo Brasil. Como resultado das experiências adquiridas em 20
congressos nacionais realizados na cidade, Lusa publicou, em 1984, o livro
“Barracão de Barro – Cerâmicas”, hoje na segunda edição, que é adotado por
instituições educacionais do país e também de Portugal.

Filha de Ilídio
Dias de Almeida e Alice Costa Almeida, Lusa viveu 54 anos felizes, como ela
mesmo diz, ao lado do médico Olavo Soares de Andrade (in memoriam), com quem
teve quatro filhos: Ana Cristina, Eduardo, Fernando e Guilherme Almeida Andrade.
Hoje, ela também aproveita a companhia dos netos Felipe, Tiago, Diogo e
Mariana.

Jornal da Manhã – Como tudo começou para Lusa
Almeida Soares Andrade?
Lusa
Andrade –
Nasci em Uberaba, mais precisamente na fazenda Morro Alto,
que ainda faz divisa com Peirópolis, cuja história começou em 1900, quando meu
avô a comprou. Na infância, nós íamos aos córregos, onde pegávamos argila
colorida para brincar e desde aquele tempo eu já fazia minhas panelinhas e as
bonecas de barro. A partir daí nunca mais larguei a argila, estive sempre com as
mãos no barro.
JM – Foi a vida no campo que proporcionou este
interesse por essa matéria-prima?
Lusa Andrade – Acredito que sim, porque depois
fui estudar fora tanto em Uberaba e São Paulo quanto no Rio de Janeiro, mas
sempre tive o barro na cabeça, ou melhor, nas mãos [risos], e a vontade de
trabalhá-lo.
JM – Nos primeiros anos de sua vida, além do
interesse nato pela argila, como foi a infância da senhora?
Lusa Andrade –
Tive apenas um irmão,
Galeno Almeida, e como fui estudar fora, aos sete anos de idade, a vida na
fazenda foi um tanto curta, pois passava mesmo só as férias. Mesmo assim, foi
uma infância muito boa e muito feliz, pois era uma alegria sem fim. Aliás, tenho
a impressão de que já nasci sorrindo, porque tive muitas alegrias, mesmo quando
vim estudar.
JM – E toda a família saiu da
fazenda?
Lusa Andrade –
Não, a família toda, não. Mamãe, papai e Galeno continuaram na fazenda. Na
verdade, apenas eu vim para estudar. Fiquei interna no Colégio Nossa Senhora das
Dores. Eu adorava o internato e sou muito grata às irmãs dominicanas, porque
elas sempre me trataram muito bem e também por tudo que aprendi com elas. Talvez
por eu não ter tido irmãs, apenas um irmão, as minhas coleguinhas me faziam
muito feliz. Tinha muita alegria e, por isso, achava ótimo o colégio. De
aprendizado, o mais marcante foi o fato de que as irmãs me deram muita formação.

Depois que fui para São Paulo terminar meus estudos, tive outra vivência, porque
fui para um colégio com influência inglesa e que, por isso, oferecia outro tipo
de educação, mas acredito que as irmãs me ajudaram muito na vida. Em São Paulo,
o colégio dava um pouco mais de liberdade.
JM – Como foi passar tanto tempo distante da
família?
Lusa Andrade –
Vim muito nova para o internato em Uberaba e, por isto, sentia muito a
falta de casa e da família, mas a turminha do colégio sabia preencher. Naquele
tempo não havia outra maneira, usava-se muito o internato, então não achava que
estava jogada lá. Sabia que estava lá porque era preciso estar. Meus pais eram
fazendeiros e o que mais poderiam fazer para nos oferecer estudos? O jeito era o
internato, pois tínhamos que estudar. Lá no Colégio Nossa Senhora das Dores fiz
até a segunda série, pois a terceira e a quarta foram em São Paulo, no Colégio
Stafford. Também fiquei como internato, mas lá era misto, ou seja, meninos
também estudavam, embora o colégio masculino fosse separado e quase não nos
encontrássemos. Além disso, não era como o regime das freiras, tínhamos
liberdade para sair aos domingos. Eu ia para a casa das minhas tias, que moravam
em São Paulo, tomava chá, ia ao teatro e ao cinema, aproveitava muito. Era um
banho de civilização. Lá, fiquei dois anos, me formei no Paulistano e voltei
para a fazenda.
JM – E como foi a decisão de continuar os
estudos no Rio de Janeiro?
Lusa
Andrade –
Meu pai achou que já estava na hora de me jogar mais um
pouquinho no mundo, me tirando daquele regime fechado das irmãs para que eu
ficasse mais independente. Isso foi muito bom e sou muito grata a ele por isto,
porque toda a vida sempre fui muito independente. Tive que aprender a viver no
mundo como ele realmente era. Depois que terminei os estudos, lá fui para o
Instituto Social no Rio de Janeiro fazer o curso superior para Assistente
Social, mas não completei, fiquei apenas quase um ano, porque papai faleceu em
1948 e tive que voltar para casa. Em 1950, me casei e fiquei morando em
Uberaba.
JM – E como foi que conheceu o Dr. Olavo
Soares de Andrade?
Lusa Andrade –
Em 1949, houve um congresso médico em Araxá e a mamãe e eu fomos, junto
com um primo, o doutor Alfredo Sabino, que iria fazer parte do evento. Nesse
período, a turma da faculdade de Belo Horizonte, que estava formando, também foi
e de toda a turma acabei escolhendo o Olavo. E em nove meses eu me casei.
Conheci-o em setembro daquele ano, em janeiro de 1950 fiquei noiva e me casei em
maio, mas tive pouco contato com ele, porque ele vivia em Belo Horizonte e eu em
Uberaba. E permanecemos casados por 54 anos maravilhosos, pois ele era
corretíssimo. Ele foi um dos primeiros professores da Faculdade de Medicina do
Triângulo Mineiro, pois dava a disciplina de Anatomia. Tivemos quatro filhos,
tenho quatro netos, mas ele faleceu em 2004 e então resolvi tomar conta da
fazenda Morro Alto.
JM – E onde a arte com o barro entra nessa
história toda?
Lusa Andrade
No colégio, as freiras nos ensinavam bordado e a picar papel, tanto
que sempre adorei uma tesourinha e um papel, ou seja, sempre fui artesã.
Aliás,
não sou artista, sou artesã. A diferença entre o artista e o artesão é que
aquele “cria”, enquanto o artesão “cria e recria”, ou seja, pode repetir.
Portanto, sou artesã. Em 1975, fundei o Barracão de Barro aqui em casa, onde
lecionava. Dava aulas de cerâmica e Uberaba todinha passou aqui para aprender
sobre vitrificação em cerâmica, entalhe, ou seja, o processo todo, pois havia
três fornos. Era um passatempo muito bom, mas no ano passado eu os aposentei,
pois agora me dedico mais à fazenda, embora ainda faça cerâmica com minhas
amigas uma vez por semana. Paralelamente às aulas de cerâmica, fundei a
Associação Brasileira de Cerâmica Artística e realizava congressos nacionais em
que vinham artesãos de todo o país para trocar experiências no assunto. No
último congresso, em 1990, havia 300 pessoas, do Rio Grande do Sul ao
Amazonas.

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