– Oi, Tuca!
Estava esperando meu sanduíche no balcão da cantina da escola quando ouvi aquela voz de mel perto do ouvido. Era quase um sussurro, e fiquei arrepiado na hora. Sem nem precisar olhar pra trás sabia exatamente quem estava ali: a menina com quem eu vinha sonhando há meses, mas que achava impossível que um dia pudesse me notar.
– O…oi, Bebel – respondi meio gaguejante, me perguntando o que a aluna mais bonita e popular do segundo ano podia querer comigo, um cara comum do primeiro ano, meio desajeitado e não exatamente "um gato".
– Quer sentar na minha mesa, Tuca? Traz seu lanche aí… – por incrível que pudesse parecer, aquilo era comigo mesmo. Fiquei paralisado de surpresa. Tive medo que ela pudesse ouvir meu coração disparado e quase saindo pela boca. Mas é claro que fiquei megafeliz. Um lanchinho a dois com a garota dos meus sonhos… nada poderia ser melhor. Se não fosse por um pequeno detalhe.
“Oi, Tuca”, tinha dito a musa. E meu nome é João Gabriel! João Gabriel, e não “Tuca”. “Tuca” – ou “tucano” abreviado – é só um apelido idiota que a galera da minha turma colocou em mim … por causa do meu nariz, digamos, um pouco avantajado. Nunca me importei demais com isso (ou pelo menos sempre me esforcei pra não me importar). Afinal, todo mundo na turma acaba tendo apelido: tem o Zé Orelha, o Bola Cheia, o Vítor Dentão, o Mar Caniço … Mas não gostei
nem um pouco de ouvir a Bebel me chamando assim.
Até porque, sempre que eu me olhava no espelho, aquilo me incomodava. Eu inclusive penteava o cabelo rapidinho, pra evitar de ter que ficar me observando muito, principalmente de perfil. Aquele narigão interminável, curvado pra baixo, com uma corcova meio bizarra … aquele narigão estragava tudo! Estava estragando até o meu encontro com a garota dos sonhos.
– E aí, Tuca – ela interrompeu sorrindo os meus pensamentos deprimentes -, vai sentar ou não vai? Tem um tempão que eu estou muito a fim de falar com você…
Envergonhado, me sentei rapidamente ao seu lado, tentando pensar em algum tópico de assunto para conversarmos, até que ela o fez antes de mim.
– Então, você entrou na escola faz pouco tempo, né? Nunca te vi aqui antes… – Bebel indagou comendo tranquilamente sua maçã.
– Na verdade, estudo aqui desde o primário. – Murmurei, meio sem jeito.
– Mas você não precisava saber disso! – Continuei nervosamente quando a musa adquiriu em seu rosto uma careta envergonhada, as bochechas naturalmente rosadas se tornando vermelhas e as sobrancelhas franzidas. Ela murmurou apenas um ‘ah’ antes de começar a conversar com suas amigas, também populares, e acabando por me deixar deslocado na mesa onde eu parecia ser invisível.
De onde estava sentado, consegui ver minha amiga Mariana sentada na mesa do clube de teatro, brincando e fazendo imitações exageradas da professora de sociologia e, quando esta viu que eu estava olhando e fez uma imitação em minha direção e acabei soltando uma risada não tão baixa, atraindo a atenção da deusa ao meu lado que, parecendo enciumada, voltou a conversar comigo sobre assuntos banais sobre os quais eu apenas respondia com murmúrios ou palavras monossilábicas para que ela continuasse a mover aqueles lábios doces com gloss de cereja.
Enquanto ela falava, o sinal para voltar a sala tocou. Então ela se levantou de forma sutil e me pediu para que a acompanhasse até a sala, algo que fiz sem hesitar. Bebel continuou a falar no rápido caminho percorrido, e, ao chegar na porta de sua sala, tirou do bolso da jaqueta rosa bebê um papelzinho de caderno e o esticou em minha direção.
– Me manda mensagem. – Ela sorriu e, ao pegar o papel, notei em seu dedo um anel com o símbolo de uma das minhas coleções favoritas.
– Gosta de Harry Potter? – Perguntei, pegando rapidamente o papel de sua mão e colocando no bolso de minha calça.
– É minha saga favorita. – Bebel respondeu, realmente animada. Pude ver a professora de minha sala se aproximando, o que me fez murmurar um ‘tchau’ rápido para a garota e correr para chegar antes da velha. Consegui e acabei passando o resto do período das aulas pensando em conversar com ela.
Assim que cheguei, botei o almoço que mamãe tinha feito goela abaixo e decidi chamar logo a garota pelo celular. Engatamos em uma conversa sobre a história que pareceu durar o dia inteiro, falávamos sobre os personagens e sobre teorias. Porém, a conversa se estendeu e logo estávamos conversando por semanas (descobrimos outros assuntos em comum), mas somente pelo celular, já que na escola ela parecia sempre ocupada. Essas conversas se tornaram ligações de horas e horas vendo o rosto limpo de maquiagem e os cabelos presos em um coque da garota sorridente que usava canetinhas coloridas nos trabalhos de história.
Eu estava apaixonado por ela e não o negava, mas era difícil saber se ela sentia o mesmo por mim ou era apenas interessante ter alguém no grupo de amigos que não falasse apenas de festas ou maquiagem. Ela dizia que eu era sua fuga da realidade e ela era a minha fantasia mais bonita. E foi em uma dessas nossas ligações noturnas que ela deixou escapar um ‘eu gosto muito de você, Tuca'/ antes que eu ouvisse o seu ressonar.
Aquilo me deixou acordado a noite inteira enquanto pensava se falaria sobre. Cheguei a conclusão que isto não era algo para se falar pelo celular, então planejei cuidadosamente a minha declaração ao longo dos dias que passavam. Cheguei mais cedo na escola, horário que eu sabia que Bebel chegava, pois seu pai saía cedo para o trabalho e ela pegava uma carona. Estava andando pelos corredores e procurando-a para que pudesse me declarar.
– Você já conseguiu a ajuda do nerd? Faltam duas semanas para entregar o trabalho! – Comentou uma de suas amigas cujo nome não lembrava, nenhuma delas ciente da minha presença ali.
– Cami, eu só estou enrolando ele um pouco para que ele não note que me aproximei por causa de notas. – Disse Bebel. Ao se virar, ela arregalou os olhos ao dar de cara comigo, antes de inventar desculpas desenfreadamente.
– Não foi isso que eu quis dizer, Tuca!
– Meu nome é João Gabriel, não é Tuca. – Eu interrompi. – Como eu posso gostar de alguém que nem sabe o meu nome? – Falei, seco, observando seus olhos lacrimejarem e sua boca se abrir em espanto. Saí, pegando meu celular e a bloqueando das redes sociais.
Bebel não veio atrás de mim, na escola fingia que não me conhecia. Soube que o trabalho foi entregue, mas sua nota foi quase zero, o que fez várias garotas da mesa dos populares me olharem com raiva até o fim das aulas, e provavelmente pelos anos seguintes já que, com essa nota, algumas repetiriam de ano.
Acho que eu acabei por a esquecer nas férias, mesmo que as conversas me fizessem falta. Era melhor estar no mundo real do que servindo de brinquedo para alguém.
Autora: Cecília de Paula Farnesi
9º ano “B”
Texto premiado em 2º lugar na III Olimpíada de Redação CNSD na Categoria Fernando Pessoa.