Segundo neurologista, usamos muito do nosso cérebro em todas as atividades Foto: Getty Images |
A antiga teoria de que usamos apenas 10% do nosso cérebro se perpetuou ao longo do tempo e, por vezes, é atribuída a Albert Einstein. “Ele nunca disse isso“, afirma o neurologista e professor da Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), André Palmini.
Na realidade, a origem deste mito está no trabalho do psicólogo americano William James, que em 1908 escreveu: “nós estamos fazendo uso apenas de uma pequena parte do nosso potencial mental e físico“. A ideia foi corroborada pelo cientista Karl Lashley, que nas décadas de 1920 e 1930 retirou partes do córtex cerebral de ratos e verificou que eles conseguiam reaprender algumas tarefas.
O avanço da ciência, porém, colocou por terra tais especulações. “Isso vem de uma época que se conhecia muito pouco sobre como investigar o funcionamento do cérebro”, diz Palmini. “A capacidade de estudar o cérebro mais profundamente é uma coisa dos últimos 20 ou 30 anos, e isso começou a melhorar a partir da nossa capacidade de fazer exames de imagem, especialmente os exames de chamados ‘funcionais’, onde conseguimos ver o órgão em funcionamento”, explica.
O neurologista cita a ressonância magnética funcional como a melhor forma de investigação, por permitir ver quais áreas do cérebro estão ativas quando estamos fazendo ou pensando em qualquer coisa. “Aí tu consegues investigar áreas envolvidas com linguagem, tomada de decisões, julgamento moral, raciocínio abstrato, leitura, entre outras atividades”, aponta o professor.
Outra teoria derrubada pela ciência foi a de que certos povos asiáticos usariam mais o cérebro, devido à maior complexidade de linguagem e uma suposta facilidade para a matemática. “Diziam que o idioma deles usava ideogramas, e que isso envolveria mais áreas do cérebro, e por isso eles usariam mais. E isso é uma barbaridade. O que foi se descobrindo, em termos de histologia, de como as células se comunicam, depois sobre como as sinapses funcionam é que nos mostrou um quadro mais real do uso do cérebro“, diz o neurologista.
Segundo Palmini, cada neurônio consegue fazer 20 mil contatos com outros neurônios. “Isso a gente tem como quantificar. E ele também recebe 20 mil contatos de outras células. Então cada célula está envolvida com 40 mil outras, e se tu colocares 100 bilhões de células envolvidas com 40 mil outras, é uma análise combinatória que tende ao infinito, isso é verdade. Mas foi entendido que o cérebro teria muito mais capacidade do que a nossa mera vida humana utiliza pra crescer, pra ler e falar. É uma visão muito pueril”, pondera.
O especialista cita estudos que tentam comparar crianças autistas e crianças não autistas. “É possível verificar que quando uma criança normal tem que entender a expressão facial de uma outra pessoa, isso envolve ‘n’ áreas cerebrais. Ou seja, o que se avançou no conhecimento foi descobrir que para coisas muito simples do nosso funcionamento diário, a gente precisa de uma integração muito grande do nosso cérebro, de diferentes áreas. E isso é suficiente pra se dizer que na realidade a gente usa muito do nosso cérebro para tudo que a gente faz”, diz.
Outro exemplo usado pelo neurologista é o da interpretação de timbres de voz. “Pouca gente se dá conta, mas quando estamos chateados ou alegres, usamos diferentes tons, e a interpretação que fazemos da forma como nos comunicamos gera diferentes mensagens. Isso é de uma sutileza absurda, e esta sutileza exige muito processamento neural. E a gente sabe disso hoje”, diz.
O cérebro, assim como outro órgão do nosso corpo, funciona com base em energia e está sujeito à lesões decorrentes de vários fatores que afetam o organismo. Segundo o especialista, drogas e álcool não matam apenas células cerebrais, mas também causam danos às células hepáticas, digestivas e diversas outras.
Hoje, é possível mostrar que danos cerebrais mínimos podem trazer graves consequências. “Os lóbulos frontais, ou a parte da frente do nosso cérebro, são considerados a área mais desenvolvida, ou ‘humana’, do órgão. Pequenas alterações nessa área já são responsáveis pelas pessoas terem uma série de peculiaridades. Por exemplo, a pessoa começa a não dizer as coisas na hora que tem que dizer, ou a ser um pouco inadequada no seu funcionamento social”, afirma.
“Aquela ideia de que o cérebro tem muitas áreas de regeneração também não é bem assim. Na verdade, a gente usa muito do nosso cérebro para quase tudo que a gente faz. Dizer que só usamos 10% é tão absurdo quanto pensar que os outros 90% não são usados. Alguém consegue viver sem 90% de capacidade cerebral? Não”, conclui Palmini.
Fonte: Terra Educação