Notas baixas no primeiro semestre motivam pais a adotarem pequenos ‘castigos’ ou a contratarem reforço escolar no mês de julho. Pais e alunos ouvidos pelo G1 contam quais suas estratégias para melhorar o desempenho, enquanto especialistas recomendam cautela quanto às punições e prioridade no diálogo com professores.
Em Brasília, Lucas Gonçalves, de 15 anos, vai viver o recesso escolar sem muito lazer e teve suspensa a promessa de ganhar um iPad após saber que vai enfrentar novamente uma recuperação. Em Belo Horizonte, João Vitor Rodrigues de Souza, de 14 anos, ficou pela primeira vez na situação, mas já viu guitarra e computador vetados. Já em Fortaleza, o jovem Raimundo Machado vai encarar a trinca “física, química e matemática” em aulas de reforço escolar para não fazer feio no Enem e nos vestibulares.
No caso de Lucas, as notas finais do semestre foram divulgadas apenas no fim da semana, mas o estudante do 2º ano do ensino médio já sabia que ficou de recuperação em português. As notas de física também foram motivo de problemas. Os pais já avisaram: nada de sair de casa ou receber mesada.
Lucas diz que falta motivação; especialista diz que
professores precisam se esforçar para atrair alunos (Foto: G1) |
Segundo a professora Ana Paula Gonçalves, mãe de Lucas, o adolescente também não vai mais ganhar o Ipad que havia pedido. Em lugar disso, o garoto vai ter que estudar. “Provavelmente a gente vai pagar um professor de reforço para ele”, disse.
Esta não é a primeira vez que Lucas fica de recuperação. No final do ano passado, o garoto obteve notas abaixo do necessário em sete das 18 disciplinas que cursava. “Foi muito difícil para mim. Falei com a coordenadora e ela me disse que, como ele é um ano adiantado, eu não precisava me preocupar se ele reprovasse”, lembra Ana Paula.
Com esforço, Ana Paula conta que o filho conseguiu se recuperar em todas as matérias. “Ele é inteligente.
Os professores que vieram dar reforço disseram que ele pega a matéria rapidinho. Na escola ele fica conversando, contando piada, não presta atenção. Ele só é desatento.”
Inglês e matemática
A situação de João Vitor Rodrigues de Souza, de 14 anos, é de quem vai estrear na recuperação. Nunca havia tirado notas abaixo da média. Mas, no primeiro semestre deste ano, veio o boletim com as más notícias. As notas de inglês e de matemática são o motivo de preocupação.
A mãe de João Vitor, Wilma Rodrigues, de 45 anos, logo identificou o que estava diferente. “Ele estudava à tarde e este ano foi para o horário de manhã. Ao chegar em casa após a escola, vai para o basquete e depois fica tocando guitarra e mexendo no computador. Ele não estava tendo tempo para estudar, apenas para fazer as lições de casa”, disse.
João Vitor ao lado dos pais em imagem do
álbum de família (Foto: Arquivo Pessoal) |
Apesar do susto, Wilma sabia qual era a solução. “Cortei a guitarra e o computador. Disse que se não melhorasse, ele teria que sair do basquete. Criei um plano de estudos e comecei a acompanhar ele. Acompanhei de perto”, falou. Depois disso, segundo a mãe, João conseguiu se recuperar em matemática, mas em inglês as notas ainda precisam melhorar.
Wilma conversou com o professor de inglês do colégio. Segundo ela, o professor explicou que João presta atenção na aula, mas na hora de colocar no papel é que está o problema. “Já contratei uma professora particular de inglês para ele”, disse. João afirma que aceitou reorganizar seus horários para dedicar mais tempo aos estudos, mas faz questão de manter o basquete. “Ele entendeu que precisava de mais tempo para estudar. Prometeu ficar sem o computador e a guitarra. Mas se ficar sem o basquete ele quase fica louco”, afirma.
As três ‘pedras no sapato’
A trinca física, química e matemática fez Raimundo Machado, de 18 anos, dar adeus para o descanso em julho. Aluno do ensino médio em Fortaleza, ele segue matriculado neste mês em um curso de reforço escolar para recuperar o rendimento que teve nas disciplinas que, segundo ele, são as “pedras no sapato”.
Raimundo Machado, de 18 anos, em aula de
reforço escolar (Foto: André Teixeira/G1) |
As aulas de uma hora e meia quatro vezes por semana tomam o tempo do futebol com os amigos, de assistir televisão, jogar videogame e usar o computador. Apesar de perder parte das férias, para Raimundo o curso “não é um sacrifício”. Ele acredita que com as aulas de julho está se preparando melhor também para o Enem e vestibulares. A mãe do adolescente, Euzenir Machado, diz que ele mesmo optou por fazer o curso para elevar as notas.
Junto com os professores, Raimundo organiza o calendário de aulas para não perder todo o período de descanso. “Ainda assim também vou deixar de ir ao cinema uma vez ou outra”, diz o estudante.
Experiências e apoio dos pais
Os motivos que levam aos desempenhos insatisfatórios ou à necessidade de mais empenho em algumas disciplinas envolvem desde a motivação dos alunos, aptidões para determinados temas e também adaptação a novas rotinas. No caso de Lucas, as dificuldades começaram na 8ª série. O garoto afirma que não gosta de estudar. “Acho que é chato. Prefiro fazer outras coisas a estudar.”
O adolescente diz se sentir desconfortável em tirar dúvidas com os professores, porque nem todos dão abertura e porque os colegas podem fazer chacota. Além disso, alguns só dão a matéria e não procuram saber se o aluno está entendendo, afirmou. “Tem aluno que tem medo de falar com o professor.”
Lucas diz, no entanto, que vai se esforçar mais no próximo período. “Esse ano eu tentei melhorar, estou melhorando um pouco.” A mãe afirma que o desempenho do filho mudou e afirma que, apesar de já ter ficado de recuperação outras vezes, o garoto nunca foi reprovado.
No Ceará, a coordenadora de curso de reforço escolar Renata Pires reconhece a importância do descanso. “Normalmente estendemos o semestre letivo ou terminamos as férias antes, mas o aluno tem que ter um tempo de descanso. É bom para ele”, diz a coordenadora . O curso de reforço escolar que ela coordena tem movimento 70% menor durante julho.
Conversa com professores
Aline Sério, gerente pedagógica do sistema educacional Universitário, sugere que os pais sempre procurem a escola e o professor para descobrir por que o filho foi mal e para saber como ajudá-lo a se recuperar. “Precisa investigar o motivo. Se a média da classe for parecida com a do filho, o problema está na aula. Se só o filho estiver com notas baixas, é preciso reforço, mas não apenas com aulas explicativas”, disse.
Segundo a psicopedagoga, se o estudante não aprendeu a matéria durante uma aula expositiva, em que o professor se preocupou apenas em transmitir conteúdo, um reforço nos mesmos moldes não funciona. “Uma pessoa só aprende se for provocada a querer saber mais sobre o assunto, quando vai em busca daquilo. Decorar não é aprender.”
Para casos em que o estudante é apontado como indisciplinado ou desatento, Aline sugere que os pais investiguem como são as aulas na escola. “As atividades têm de ser interessantes. Se o professor estimular o aluno a participar, a indisciplina acaba”, afirmou. Para Aline, penalizar o filho antes de entender o motivo da dificuldade dele não resolve e pode piorar a situação.
Fonte: G1