Ele sabia escutar Deus – Ele sabia escutar o Povo

8 de agosto de 2011 - 12:00:00. Última atualização: 23 de julho de 2019 - 10:58:50

E cada um de nós, em sua língua, os ouve anunciar as maravilhas de DEUS.

(At 2,11)

Continuando a preparação do GRANDE JUBILEU da Ordem Dominicana, em 2016, o tema proposto para este ano de 2011 é: SÃO DOMINGOS: PREGAÇÃO e CULTURA; PREGAÇÃO COMUNITARIA.

Celebramos a FESTA de PENTECOSTES como um milagre universal da inculturação do EVANGELHO.

Os Atos dos Apóstolos nos confirmam que não se anuncia a Boa Nova de Jesus Cristo sem esse processo de inculturação. … DEUS me escolheu para que os PAGÃOS ouvissem de minha boca a palavra da BOA NOTÍCIA e acreditassem (cf At 15,7).

O diálogo necessário entre Fé e Cultura continua até hoje. A ordem de Jesus aos Apóstolos é assumida por todas nós e por todos aqueles e aquelas que se comprometem a seguir o Mestre: Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos (cf Mt 28,19).

São Domingos, no século XIII, fiel à sua vocação apostólica, ensina-nos, com sua vida e com sua paixão pelo Evangelho, a se inculturar nos diversos ambientes geográficos e ideológicos pelos quais passou.

Ele sabia escutar Deus.
Ele sabia escutar o Povo.

Domingos viveu também uma mudança de época. O sistema feudal entrou em declínio. Ele era constituído por imensas propriedades, cujo dono, o senhor feudal, concedia parcelas de terra a pessoas que não a possuíam, mediante a condição de vassalagem e prestação de serviço, sem nenhum pagamento.

A economia de mercado começa a surgir. Aparecem os burgos onde se encontravam mercadorias, dinheiro e pessoas, os burgueses, que exerciam suas atividades lucrativas sem nenhum trabalho braçal. Começa a era da urbanização, isto é, o aparecimento das cidades, antigos burgos.

No tempo de Domingos, a IGREJA vivia essa estrutura feudal, contrária ao Evangelho de JESUS CRISTO.

Os padres tinham uma fraca formação teológica e a pregação era tarefa reservada aos bispos, alguns com vida pouco edificante. Apresentavam-se como verdadeiros senhores feudais.

Domingos descobre sua vocação apostólica nesse contexto onde a Igreja clama por uma fidelidade ao DEUS de JESUS CRISTO. O povo enganado, oprimido por falsas doutrinas, anseia por descobrir a Verdade que liberta, o Caminho que conduz ao PAI de amor e de misericórdia e a Vida em abundância (cf Jo 14,6).

Todos esses acontecimentos históricos, Domingos os interpreta na perspectiva da inculturação do Evangelho e na força da profecia.
Hoje eu estabeleço você sobre nações e reinos, para arrancar e arrasar, para demolir e destruir e plantar (Jr 1,10).

Domingos, nascido em Calaruega, Espanha, pertencia a uma família rica e importante. Estudante, em Palência, fez-se pobre para ajudar os pobres. Ordenou-se padre diocesano, tendo pertencido ao cabido da Catedral da Diocese de Osma. Seu bispo, Dom Diego, precisando ir à Dinamarca, convidou Domingos para empreender, com ele, uma tão longa viagem.

Passando pelo sul da França, os dois viajantes deparam com os maniqueístas, adeptos da doutrina de um persa chamado Mani ou Manés, segundo a qual o universo foi criado por dois princípios antagônicos: DEUS, criador do BEM e o DIABO criador do MAL. Essa doutrina ameaçava a fé católica, chegando a negar a encarnação de Jesus Cristo. Diante da incapacidade dos bispos da época para combater essa heresia, Domingos começa a ensinar, a dialogar com as pessoas e concebe a ideia avançada e ousada de fundar uma ORDEM RELIGIOSA de FRADES PREGADORES, levando uma vida simples e austera.

Para sustentar espiritualmente a pregação de seus frades, Domingos instalou, em Prouille, na França, uma comunidade de mulheres, muitas delas convertidas do maniqueísmo. Domingos, com sua vida e com sua palavra, iniciou-as a seguir Jesus Cristo, doce e humilde de coração, a desejar a salvação de todas as pessoas, carregando-as no segredo de sua compaixão (Crônicas).

Com sua pregação, acompanhada de uma intensa vida de oração, Domingos foi atraindo alguns jovens que desejavam seguir Jesus Cristo, a seu exemplo.

Assim, em TOLOSA, na França, formou-se a primeira Comunidade de Pregação. Era o nascimento da ORDEM DOMINICANA, de FRADES PREGADORES, aprovada em 1216, pelo Papa Honório III.

Com esse gesto profético, Domingos funda a Ordem Dominicana, sinal evidente de INCULTURAÇÃO. Sinalizou também a imensa necessidade que a Igreja tinha de se converter, passando de uma atitude de domínio e prestigio social, para uma atitude de serviço, acolhida e comunhão, a exemplo de Jesus de Nazaré que veio ao mundo para servir e não para ser servido (cf Mt 20,28).

O grão amontoado apodrece. Espalhado, floresce. Os frades são enviados dois a dois às grandes cidades universitárias do tempo: Paris, Tolosa, Bolonha, Oxford, Colônia, onde fundam conventos.

Esses conventos, Domingos queria que fossem verdadeiras CASAS DE PREGAÇÃO. A vida mesma da Comunidade é o primeiro anúncio da Boa Nova que os pregadores verbalizam em seu ministério apostólico. A Vida FRATERNA já constitui por si só a mais bela pregação: Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos (cf Jo 13,35).

O superior das comunidades dominicanas era o prior, eleito por todos, por um tempo determinado. Ele é a memória da comunidade, lembrando-lhe seu dever de praticar tudo aquilo que fora decidido, de modo democrático, por todos. Esse sistema se diferenciava enormemente das abadias e mosteiros, cujo abade, escolhido até o fim de sua vida, tinha uma função semelhante a dos nobres senhores feudais.

A VIDA FRATERNA é a garantia da PREGAÇÃO COMUNITARIA. A comunidade é constituída e existe em função da pregação.
Segundo nosso irmão dominicano frei Felicisimo, nessa relação básica entre COMUNIDADE E PREGACÃO, Domingos via três funções fundamentais:

1. Garantir a permanência da pregação e para isso a comunidade precisava rezar, estudar, estar atenta e aberta aos apelos do mundo. A comunidade é o lugar onde os frades cultivavam a fé e a experiência de Deus, sem as quais é impossível fazer uma pregação cristã. Comunitariamente, eles deliberavam, se aconselhavam, analisavam a situação vigente. O estudo, como busca da verdade, também era tarefa comunitária e levava os frades pregadores a uma vivência profética do anúncio do Evangelho e à denúncia das situações antievangélicas. Esse estudo era eminentemente contextualizado: o quê a Palavra de DEUS nos diz HOJE? AQUI? AGORA? Sensibilidade apostólica, misericórdia e justiça caminhavam juntas. Se a pregação não iluminava uma determinada realidade, se não trazia esperança aos pobres sofredores e não advertia os poderosos opressores, não era de forma alguma, o anuncio da Boa Nova de Jesus Cristo. A causa de DEUS é a causa do SER HUMANO.

2. Apoiar e sustentar o pregador em seu ministério, o que exigia grande abertura de uns para com os outros, acolhida das diferenças, apoio fraterno nos momentos de crise e de dificuldades. A primeira pregação é a prática da caridade entre os irmãos. A comunidade tinha consciência de que a pregação é uma graça, um carisma e o único Mestre é o Espírito Santo. O pregador não fala em seu nome próprio, mas em nome do DEUS de JESUS CRISTO, o que faz da pregação dominicana um testemunho profético comunitário.

3. Garantir a pregação com o testemunho da VIDA EVANGELICA: aquilo que era anunciado, pregado, deveria ser vivido na Casa de Pregação. A compaixão é a urgência da pregação. Ninguém tem o direito de dar contratestemunho daquilo que é pregado pela comunidade. A comunhão é uma utopia que nos ultrapassa, mas que deve ser buscada incessantemente. Na tradição dominicana, a comunidade não é espaço de perfeição, mas de busca, de sonho, de história, de testemunho de alegria. Isso que vimos e ouvimos, nós agora o anunciamos a vocês para que vocês estejam em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. Essas coisas escrevemos para vocês, a fim de que nossa alegria seja completa (1Jo 1,3-4). E ainda: Eu não chamo vocês de empregados. Eu os chamo de amigos porque eu comuniquei a vocês tudo o que ouvi de meu Pai (cf Jo 15,15).

Concluímos que a fecundidade apostólica de Domingos brota de sua experiência de DEUS e de seu amor pela humanidade. Não há experiência autêntica de DEUS sem essa experiência do humano.

A ORDEM, com seus 800 anos de existência, nunca foi reformada porque soube ser itinerante com a história como lugar epifânico, onde DEUS se revela, revestido de nossa humanidade, convertendo o rosto do pobre em seu próprio rosto (cf Mt 25,31- 46).

E nos, Dominicanas, Anastasianas, por vocação e por profissão, como estamos vivendo essa herança deixada por São Domingos?

Nosso SER e nosso AGIR são espaços de verificação de nossa fidelidade a DEUS e à Humanidade.

Tenhamos sempre presente em nossa memória e em nosso coração o que o Capitulo Geral de 2007 nos recomendou, tão ao sabor de Domingos: que nossas comunidades sejam casas de louvor, de serviço, de encontro, como a casa de Isabel; casas de conversão, como a de Zaqueu; casas de gratuidade, como a do fariseu de Betânia; casas de serviço, de escuta e de contemplação como a de Marta e Maria; casas de partilha como a de Emaús; casas de perdão e de festa como a do pai misericordioso; casas de oração e de envio como o cenáculo.

Que nos sintamos enviadas para sermos o sal da terra e a luz do mundo, segundo o desejo de Jesus, concluindo sua proclamação das bem aventuranças. (cf Mt 5,1).

Nossa fidelidade depende de nossa permanente conversão pastoral às necessidades atuais, como lembra o Documento de Aparecida.

Ouçamos o que o Espírito está dizendo às Igrejas (cf Ap 2, 29).
Para isso, estudemos atentamente a Palavra de DEUS e encaremos com sensibilidade tudo aquilo que atrasa a construção do Reino, o que deve nos provocar pastoralmente: crise de valores, globalização excludente, empobrecimento de pessoas e de países, injustiça, violência, discriminação de toda espécie, consumismo como cultura dominante, destruição do planeta, desafios de uma sociedade plural, diálogo interreligioso… e tantas outras coisas… Como nos dizia o sociólogo Betinho: pensemos globalmente para agirmos localmente.

Todas nós estamos comprometidas, vivendo em Fraternidade para realizarmos o sonho de DEUS: sermos presença da misericórdia divina, recriando a VIDA em todas as suas dimensões.

Que Domingos e Anastasie nos ajudem em nossa caminhada. Que possamos descobrir, cada vez mais, a beleza e a exigência de nossa consagração ao PAI e à Humanidade para resgatarmos a sacralidade do mundo, o grande Sacramento de nosso DEUS CRIADOR.

Paris, julho de 2011

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