Amante das guerras, Frederico, o Grande, também ganhou o respeito e a estima dos intelectuais da época em que viveu Foto: Getty Images |
Frederico, o Grande, rei da Prússia entre 1740 a 1786, apesar de ter sido um homem amante de guerras, fazendo fama como grande estrategista nos campos de batalha – um dos maiores da história da Europa -, admirado por Napoleão e por tantos outros chefes militares, também ganhou o respeito e a estima dos intelectuais da época.
Amante do espírito e das armas, quis fazer do seu reino um centro de inteligência e de bom gosto. Seus súditos admiravam sua sabedoria e seu bom humor, coletando diligentemente tudo o que ele dissesse, fosse durante uma batalha ou no convívio com os sábios.
Foi o rei mais amado da história da Alemanha moderna e grandes celebrações marcaram os 300 anos do seu nascimento (1712) no último dia 24, em Potsdam, com milhares de visitantes se deslocando para ver o palácio de Sans-Souci, sua morada preferida.
“Meu povo e eu chegamos a um acordo satisfatório para ambos. O povo pode dizer o que lhe agrada; eu faço o que me apetece.”
Frederico, o Grande, rei da Prússia
No asilo de proscritos
Nos princípios de 1945, um furgão do exército alemão removeu os ataúdes com os restos mortais dos reis Frederico Guilherme I e de seu filho, Frederico II, o Grande, que se encontravam na Garnisonskirche, em Potsdam, nas proximidades de Berlim. Ambos foram transladados em meio a um dilúvio de bombas que desancavam sobre a Alemanha naqueles tempos sombrios. Depositaram-nos por primeiro na Elisabethskirche em Marburg e, em setembro de 1952, foram novamente deslocados para o Burg Hohenzollern, nos Alpes Suábios, onde descansaram numa capela – definida pelo biógrafo de Frederico, o francês Pierre Gaxote, como um “asilo de proscritos”.
É curioso que um dos maiores capitães-de-guerra da história tenha começado a carreira protagonizando uma desabalada fuga do campo de batalha. Coroado aos 28 anos, em 1740, Frederico II, aproveitando-se das confusões dinásticas que ocorriam na Casa d’Áustria, seu poderoso vizinho, abocanhou-lhe a Silésia. Numa operação relâmpago, seus soldados se assenhoraram da região quase sem encontrar resistência. Apenas em Mollwitz os austríacos lhe opuseram suas armas. Foi o que bastou para que o jovem soberano desandasse numa cômica disparada para trás das suas linhas, só tomando conhecimento do ridículo à noite, quando lhe informaram que o velho marechal von Schwerin havia posto os inimigos em debandada. Foi a última vez que recuou em toda sua longa vida.
Entre o trono e o cenáculo
Frederico teve uma infância infeliz. Seu pai, o “rei-sargento”, um disciplinador terrível, não lhe poupava a vara. Quando ele atingiu dezoito anos, foi envolvido num rumoroso escândalo sexual com um jovem oficial que o levou a uma tentativa de deserção que quase lhe custou a vida. O pai, um rematado sádico, obrigou-o a assistir ao fuzilamento do seu desastrado parceiro, o tenente von Katte. Lição que jamais esqueceu.
Graças à excelência dos seus preceptores, consagrou-se ao estudo de tudo que fosse francês. Em pouco tempo dominava a prosa e cometia versos naquele idioma, fazendo com que, desde então, só se falasse o alemão, como ele disse, “pour gourmander ses domestiques et commander ses troupes”, isto é, apenas para dar ordens aos criados e soldados.
Em 1736, tornou-se assíduo correspondente de Voltaire, conhecido como rei do espírito pela Europa inteira, a quem enviou seu ensaio Antimaquiavel, publicado a primeira vez em Haia. Anos depois, convidou o grande iluminista para fazer parte do seleto estado-maior de sábios que se reuniam no cenáculo de Potsdam, perto de Berlim, mantido por ele. Qualquer cientista, poeta ou escritor que se visse perseguido na sua pátria podia ter certeza que o rei da Prússia lhe garantiria um abrigo. Para seu maior conforto, e deles também, determinou que o arquiteto oficial do reino, von Knobelsdorf, erguesse, entre 1745-1747, junto ao palácio, uma pequena joia no estilo rococó: o Palácio de Sanssouci, que ele apelidou de Maison de Plaisance, a Casa dos Prazeres. Lá conviveram o naturalista Maupertuis, o doutor La Mettrie, o italiano Algarotti e o jovem poeta Baculard d’Arnau, além de Voltaire, a quem convenceu a melhorar-lhe os poemas enquanto ambos trocavam versos amigáveis que denunciavam o fascínio mútuo.
Simpático aos iluministas
Para agradar aos espíritos reformistas da época e à indignação de Beccaria, foi o primeiro monarca europeu a abolir a prática da tortura que até então acompanhava os inquéritos policiais, como também sustentou uma então desconhecida tolerância para com a liberdade de expressão dos seus súditos. Em pouco tempo adjetivaram-no como der Grosse, o Grande.
Mas esses liberalismos todos não evitavam que, tal como seu pai, distribuísse, com afinco, bastonadas e chicotadas corretivas nos recrutas prussianos. Frederico tinha com seus regimentos cuidados que lembram o de uma solteirona meticulosa. Pobre daquele que se lhe apresentasse com uma dragona deslocada ou a bota suja de pó. Sua avareza, detalhismo e intromissão tornaram-se proverbiais. Era ele, de próprio punho, quem determinava o lugar exato que um estrangeiro deveria ocupar para assistir a uma das incontáveis paradas militares que promovia pela avenida Unter den Linden, em Berlim, onde ele, como o seu pai fizera, gostava de ver desfilar suas impecáveis tropas.
A máquina de guerra
Rei da região do Brandenburgo, definida por Macaulay como “estéril e pantanosa”, tratou de projetar seu país como potência continental, fazendo com que o seu exército, os famosos infantes prussianos, fosse um verdadeiro aríete para derrubar as muralhas dos vizinhos. Da mesma forma que os ingleses trataram de equipar-se com máquinas e carvão para executar sua revolução industrial, Frederico utilizou-se de pólvora e de soldados para criar uma poderosa engrenagem de guerra, que fez a fama dele e dos prussianos na terrível Guerra dos 7 anos (1756-1763), quando enfrentou a França, a Áustria e a Rússia simultaneamente.
Nessa situação adversa é que o gênio de Frederico atingiu a plenitude. Enfrentou seus inimigos em Leuthen, Rossbach e Torgau e venceu-os em todas batalhas. Napoleão estudou-o com afinco e considerava Leuthen uma verdadeira obra-prima de estratégia militar*. Um dos seus ditos favoritos era que seus soldados “deviam temer mais o seu sargento do que o inimigo”.
Apesar das muitas guerras por que fez a Prússia passar, o alte Fritz, o velho Fritz, como carinhosamente o chamavam, forjou a legenda do rei-filósofo e de grande amigo das artes. No dia do aniversário da sua morte, ocorrida em 17 de agosto de 1786, as autoridades da Alemanha reunificada aguardaram suas cinzas para serem novamente depositadas na tumba original, onde, por fim, descansam em paz – e de onde todos esperam que elas não se prestem no futuro para anacrônicas demonstrações de exaltação patriótica.
(*) Quando Napoleão ocupou Berlim após a batalha de Yena, em 1806, fez uma visita à tumba de Frederico acompanhado por seu estado-maior. Voltando-se para seus oficiais, disse-lhes: “Senhores, se este que aqui jaz estivesse vivo, dificilmente estaríamos aqui”.
Fonte: Terra Educação