Neuropsicologia e neurofisiologia do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade e impulsividade (TDAH)

10 de fevereiro de 2012 - 10:58:00. Última atualização: 23 de julho de 2019 - 11:00:43

O TDAH é um dos transtornos mentais mais estudados em psiquiatria. As primeiras descrições remontam ao século XIX; desde então o TDAH já recebeu inúmeras denominações, tais como “dano cerebral mínimo”, “disfunção cerebral mínima” e “hiperatividade”.

Somente em 1980, com a publicação do DSM III pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), o termo “transtorno de déficit de atenção” foi utilizado pela primeira vez para caracterizar o quadro. O termo híbrido “hiperatividade”, metamorfoseado do termo grego “hipercinese” atingiu ampla divulgação nos meios médico e laico, a partir da década de 70. Até a publicação da revisão da DSM-III em 1987 não havia um número significativo de publicações que sustentassem a ideia que o TDAH pudesse ocorrer sem hiperatividade, algo mais característico de crianças e, em menor grau, de
adolescentes com o transtorno.

No período de 1987 até 1994, quando foi publicada a DSM-IV, um grande número de estudos documentou o fato de o TDAH ocorrer com e sem hiperatividade clinicamente significativa, tendo sido documentada a existência da forma adulta do transtorno.

A prevalência do TDAH e estimada entre 3 e 7% para as crianças em idade escolar e em 4.4% para a população adulta dos EUA.

Meninos têm três vezes maior probabilidade de apresentar o transtorno do que as meninas.

Embora com o passar do tempo muitos adultos obtenham remissão sindrômica (os sintomas não permitem mais o diagnóstico), apenas 30% atingem remissão sintomática (os sintomas não atingem o limiar subclínico) e 10% atingem remissão funcional (os sintomas não atingem um limiar subclínico e há recuperação completado comprometimento funcional anterior). Esses dados apontam o curso potencialmente crônico do transtorno e a manutenção de níveis elevados de comprometimento funcional na vida adulta.

Quando se comparam os dados de prevalência, perfil de comorbidade, genética e eficácia de tratamento medicamentoso, provenientes de estudos no Brasil e em países desenvolvidos, os resultados sugerem claramente que o TDAH não e um construto cultural. As alterações neurobiológicas descritas no TDAH, incluindo os padrões de transmissão genética e os achados sem estudos neuropsicológicos e de neuroimagem, são semelhantes em amostras crianças, adolescentes e adultos em diversos países com enormes diferenças socioeconômicas e culturais.

Diferentes estudos de famílias, de adoção e de gêmeos indicam que o TDAH é um transtorno fortemente herdado, sendo seu índice de herdabilidade bastante elevado (0,76). O TDAH é um transtorno multifatorial, no qual vários genes, todos com pequeno tamanho de efeito, causam o transtorno, na presença de fatores ambientais adversos. Varias alterações estruturais e funcionais já foram identificadas em crianças, adolescentes e adultos com TDAH utilizando técnicas avançadas de ressonância magnética, como imagem pelo tensor da difusão (DTI), volumetria e espessura cortical,
espectroscopia e ressonância magnética funcional.

Malgrado os exames de neuroimagem não serem necessários para o diagnóstico clínico (a semelhança de outros transtornos neuropsiquiátricos), eles fornecem um número significativo de informações
que permitem entender melhor a fisiopatologia do transtorno. Num recente estudo de revisão do nosso grupo de pesquisa em TDAH, as regiões com maior número de anormalidades são:

a) o esplênio do corpo caloso;
b) o giro do cíngulo;
c) o núcleo caudado;
d) o cerebelo;
e) o estriado;
f) o córtex frontal;
g) o córtex temporal.

As regiões encefálicas onde as anormalidades são observadas em estudos de tensor de difusão, volumetria, espectroscopia e espessura cortical são as mesmas envolvidas descritas em estudos com ressonância magnética funcional.

Uma das teorias em maior evidência é a de que os sintomas do TDAH estão relacionados as disfunções executivas. De fato, disfunções na circuitaria pré-frontal medial, amplamente documentadas em estudos de neuroimagem se associam à dificuldades no controle de impulsos e na autorregulação do comportamento. As funções executivas compreendem uma classe de atividades
altamente sofisticadas, centrais para o autocontrole, que estão relacionadas a capacidade de uma pessoa de se engajar em comportamentos orientados a realização de ações voluntarias, autônomas, auto-organizadas e orientadas para objetivos específicos. Déficits relacionados as funções executivas ao quadro sintomático característico do TDAH: desorganização, esquecimentos, dificuldades com planejamento (ou falhassem antecipar futuros acontecimentos), dificuldade com o manejo do tempo, impulsividade na tomada de decisões e incapacidade de interromper uma atividade já e mandamento para privilegiar outras atividades mais importantes ou urgentes.

Fonte: Revista Med D’Or Ano X – 2011 – nº 1 – pg 20

Paulo Mattos – Doutor em Psiquiatria (UFRJ), Professor Associado da UFRJ, Coordenador do GEDA – Grupo de Estudos do Déficit de Atenção do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Coordenador da Pós-graduação em Neurociências do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.

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