Proteção em excesso pode prejudicar as crianças

22 de outubro de 2013 - 09:27:00. Última atualização: 23 de julho de 2019 - 11:02:10

O politicamente correto já foi amplamente adotado, duramente criticado e,
atualmente, há quem diga que ele está fora de moda. Será? Nos supermercados, os
produtos sem agrotóxicos não estão mais no canto das gôndolas, espremidos. Ao
contrário: ganham cada vez mais espaço, nas prateleiras e no prato dos
consumidores. As antigas cantigas de roda foram reformuladas (veja quadro), há
canais especificamene voltados para crianças e quitutes gordurosos, como
refrigerantes e frituras, estão prestes a desaparecer de vez das cantinas
escolares. Serão as crianças de hoje os adultos politicamente corretos de
amanhã?

Quando estava com 20 anos, Verônica Dias Avelino, de 45 anos, começou a
pesquisar mais sobre vegetarianismo. Criada em uma família mineira, ela conta
que, em casa, o cardápio principal sempre contava com muita fritura, doces e
queijos. À época, Verônica namorava o pai de seus filhos, Tomás e Francisco Dias
de Queiroz, hoje com 17 e 14 anos, respectivamente. Os dois gostaram da
filosofia sem carne e resolveram se tornar macrobióticos, uma vertente do
vegetarianismo. “Os meninos cresceram nesse ambiente”, explica a especialista em
assistência social.

Na geladeira e na despensa da família, nada tem
açúcar ou é industrializado. No prato dos garotos, arroz integral, legumes e
tofu são tão triviais quanto o trio arroz-feijão-carne que vemos por aí. Quando
os dois eram crianças, Verônica conta que a moda entre os colegas eram os
salgadinhos que vinham com pequenos discos de brinquedo dentro da embalagem. Sem
sofrimento nenhum, ela conta que eles compravam, tiravam o brinquedo e jogavam o
salgadinho na lixeira. “E eu nem precisava ir à banca para verificar isso, a
dona que me contava”, diz a mãe. Para dar mais atenção aos filhos durante a
primeira infância, fase que considera a mais importante no desenvolvimento dos
pequenos, Verônica parou de trabalhar. “Acho até que essas coisas hoje naturais
na vida deles, mas que são raras quando comparadas aos amigos, deve-se muito a
esse fato”, analisa. “Isso teve um custo para mim, claro, mas vi que foi um
investimento valioso para a vida deles.”

O acesso à televisão também não era fácil. Até hoje, a sala não conta com o
aparelho. “Eles pouco viram televisão na primeira infância, tanto que até hoje
eles não têm esse hábito”, completa Verônica. Propagandas sedutoras de lanches
nada saudáveis e dos últimos brinquedos da moda são os dois principais motivos
que a fizeram evitar a televisão em casa. “Esse tipo de coisa deveria ser
proibida, porque criança não tem filtro.” Hoje, ela conta que as atenções deles
se voltam mesmo é para o computador. Mesmo aceitando que não há como controlar o
acesso, há limites: jogos de computador, só nos fins de semana. Ainda assim, o
trato entre os três é sempre intercalar com atividades ao ar livre. “Sempre
vamos pedalar ou caminhar. Vamos os três, se eu não for, o pai deles vai, porque
ele também é muito comprometido com isso.”

A dieta também mudou: não é
mais macrobiótica, uma vez que, segundo essa filosofia, a mulher é a responsável
por preparar todos os alimentos. Quando se separou, há oito anos, Verônica
voltou a trabalhar e o tempo ficou apertado. O cardápio continua saudável, só
que com a adição de carne e feijão, alimentos não adotados pelos macrobióticos.
Mas isso não significa que os adolescentes só comam o que estão acostumados. Se
estiverem em ambientes menos restritos, comem o que há. “Mas, como fisicamente
não estão acostumados, o corpo reage muito, eles ficam com rinite, dor de
barriga e de garganta”, completa Verônica.

Para muitos, tantas
preocupações e detalhes colocariam Verônica na categoria dos “politicamente
corretos”. Ela, no entanto, foge do rótulo. “Acho que politicamente correto é um
conceito que varia muito”, argumenta. “O que é politicamente correto para um
brasileiro talvez não seja para um muçulmano.”

A vontade de criar os
filhos da maneira mais politicamente correta possível não é de hoje. Sylvio
Renan Monteiro de Barros, pediatra membro da Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP), autor do Blog do Pediatra e do livro Seu bebê em perguntas e respostas —
Do nascimento aos 12 meses (Mg Editores), explica que o comportamento vem
aumentando. Muito da preocupação, ele explica, deve-se às promessas da medicina
de uma vida bem mais longa para as gerações futuras. “A estimativa é que as
crianças de hoje vivam até os 120 anos”, completa.

Para conseguir permanecer tanto tempo em pé, é natural que as pessoas precisem
se cuidar desde cedo. O aumento da procura (consequentemente, da produção) de
alimentos livres de agrotóxicos, por exemplo, seria o efeito colateral dessa
preocupação com o futuro. Informações mais acessíveis acerca das causas e
consequências de problemas como diabetes, obesidade e hipertensão arterial
também seriam catalisadores do comportamento mais cuidadoso à mesa.
“Antigamente, acreditava-se que o leite de vaca ou o de lata era necessário para
complementar o materno, que seria muito fraco”, exemplifica Sylvio de Barros.
“Hoje, sabe-se que isso provoca várias doenças, especialmente as
alérgicas.”

As crianças são apresentadas cada vez mais cedo ao mundo dos
alimentos naturais, livres de sódio em excesso, corantes e conservantes. A
tecnologia, para o especialista, seria a grande responsável por isso. Ao mesmo
tempo em que os pais têm mais informações por meio da internet, os laboratórios
tornaram-se capazes de manipular melhor os alimentos, retirando nutrientes
negativos e trocando substâncias maléficas para a saúde por versões mais
saudáveis. A vasta gama de informações, contudo, tem também seu lado negativo.
“Há um ‘boom’, um exagero de conhecimento”, diz o pediatra. “As informações
chegam muito rápido à população, chegam junto com o médico. Isso pode ocasionar
exageros.”

Cantiga inofensiva:

Atirei o pau no gato

Como
era:

Atirei o pau no gato
Mas o gato
Não morreu
Dona
Chica
Admirou-se
Do berro, do berro
Que o gato deu

Como
ficou:

Não atire o pau no gato
Porque isso
Não se faz
O
gatinho é nosso amigo
Não devemos maltratar os animais

Boi da
cara preta

Como era:
Boi, boi, boi, boi da
cara preta
Pega essa menina que tem medo de careta

Como
ficou:

Boi, boi, boi, boi do Piauí
Pega essa menina que não gosta
de dormir

O cravo e a rosa

Como
era:

O cravo ficou doente
A rosa foi visitar
O cravo teve um
desmaio
A rosa pôs-se a chorar

Como ficou:
O cravo
ficou doente
E a rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa
pôs-se a chorar
A rosa deu um remédio
E o cravo logo sarou
O cravo foi
levantado
A rosa o abraçou

 
 
Fonte: Saúde Plena

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