Era uma vez um mundo onde contos de fadas não eram mais contados para as crianças durante a noite. As crianças estavam ocupadas demais tampando os ouvidos dos barulhos de bombas que rodeiam suas casas. Os pais estavam ocupados demais tentando encontrar um lugar seguro. Por isso, o “era uma vez” foi esquecido.
O garotinho, de seis ou sete anos, pensou que, assim que chegasse em sua nova casa, seus pais teriam tempo de contar-lhe uma das histórias, as que falavam de heróis lendários, dragões, príncipes e princesas, reinos, batalhas e finais felizes.
Mas seu pai foi o herói derrotado no meio da batalha.
Sua mãe foi uma heroína que teve de voltar para seu castelo, em um reino tão tão distante, muito antes da hora.
E o menino ficou sozinho.
Ele chegou na sua nova casa, imaginando todas as novas aventuras que estavam por vir. Aventuras melhores do que as que estava acostumado. Conheceu seus pais, que nunca seriam como seus velhos pais – mal compreendia o que diziam! -, mas ficou feliz por ter, pela primeira vez, um colchão – duro – e um travesseiro – fino – para dormir em um quarto frio – no subterrâneo da sua nova casa – e com pouca luz. Ele ficou contente porque mesmo que dormisse sozinho e no breu total, ele não precisava se preocupar em tampar os ouvidinhos.
Não havia bombas, nem tiros. Mas ainda havia gritos, na maioria das vezes vindos da sua nova mãe, e direcionados a ele. O garotinho mal falava. O novo pai mal ficava em casa. E o seu coraçãozinho doía, porque ainda que estivesse em um novo lugar, ninguém chegara a contar um conto para que ele fosse dormir. Ainda. “Ainda” porque seu coraçãozinho, mesmo que doendo, era esperançoso, e um dia, alguém, qualquer um, iria contar-lhe uma nobre história, sobre um nobre herói.
Um dia, o menino estava procurando algo para comer quando sua mãe o encontrou abrindo a geladeira. A mulher o arrancou de lá, com palavras furiosas, muitas das quais ele não compreendia. A nova mãe o arrastou pelas orelhas e depois o castigou.
O menino viveu nesse vai e vem de castigos, punições e gritos. Havia vivido no meio de uma guerra na qual a liberdade era um sonho do qual somente os países pacíficos usufruíam. Quando chegou à sua nova casa, em um país aparentemente pacífico, com novos pais, imaginou que a liberdade poderia ser provada por ele. Pobre garoto! Não há liberdade enquanto há a inerente busca por controle. Não há liberdade direcionada aos povos, que desde os primórdios, são controlados.
O garoto não tinha ideia que, no mundo, havia somente dois lados: controle e submissão, e ninguém, nunca, ultrapassava essa linha que os separam. Porque no final, tudo se baseia no medo. Medo do novo e do diferente. “As pessoas temem o que não compreendem.” – bendita pessoa que disse isso. As pessoas temem o que não são capazes de controlar, por isso buscam controle o tempo todo.
Aquele garoto, de seis ou sete anos, era um garoto judeu na Segunda Guerra Mundial; era um negro durante a escravidão na África; era um índio na colonização. Ele é um garotinho Sírio, perdido em meio à guerra.
E nós não estamos fazendo nada.
Texto escrito pela aluna Luiza Aparecida Chaves Ranuzzi – 2ª série “B”.
Professora responsável: Profª Drª Priscila Marques Toneli